Como o trabalho vai mudar com mais gente vivendo até 100 anos
No mundo, há cerca de 450 mil pessoas com mais de 100 anos. Nos Estados Unidos, são 72 mil centenários e, em 2050, esse número deve chegar a meio milhão. Segundo o especialista em demografia James Vaupel e sua equipe de pesquisadores, 50% dos bebês nascidos em 2007 no país têm uma expectativa de vida de 104 anos – ou mais. A mesma previsão pode se estender ao Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Canadá. No Japão, na mesma comparação, a expectativa de vida salta para 107 anos. Pensar nesse novo cenário é pensar em questões variadas que perpassam desde o sistema de aposentadoria, incluindo a sobrecarga ao sistema de saúde, até em novos modelos de pensões. Mas as questões são muito mais complexas, defende Lynda Gratton, professora da cadeira "Futuro do Trabalho" na London Business School.
Em artigo publicado na Harvard Business Review, Lynda defende que viver mais traz implicações em todos os aspectos da vida – não apenas nas questões que surgem a partir do envelhecimento. "Se muitas pessoas vão viver mais, e de forma mais saudável, isso implica inevitavelmente em um redesenho das nossas vidas e dos nossos trabalhos", afirma. "Há uma verdade importante por trás dos clichês: ‘os 70 são os novos 60’ e os ‘40 são os novos 30’. Se as pessoas envelhecem de forma mais lenta, mas durante um longo período, é como se tivessem mais jovens por mais tempo – e não o contrário". Ela explica as consequências disso.
Uma primeira questão é refletir sobre o momento de vida em que as pessoas decidem assumir compromissos, digamos, mais sérios. A hora de comprar uma casa, casar, ter filhos ou de começar ou mudar de carreira. São decisões que terão impacto pelo resto de suas vidas. Em 1962, por exemplo, 50% dos americanos se casavam aos 21 anos. Em 2014, a média já tinha saltado para 29 anos. Por trás dessa e de outras mudanças, segundo Lynda, está a prerrogativa de que os jovens sabem que possivelmente viverão mais. E isso torna menos atraente a possibilidade de assumir um compromisso cedo. "Antes, os compromissos acompanhavam a chegada à vida adulta. Agora, são postergados", diz a pesquisadora. "Surgem novos padrões de comportamento para determinar qual fase da vida aquela pessoa está ou quais novos parâmetros definem a fase dos ‘20 anos’ ".
A longevidade retarda também a idade de aposentadoria. A menos que as pessoas estejam preparadas, desde cedo, a poupar mais, as previsões de Lynda Gratton sugerem que se você está na casa dos 40 e poucos anos, é provável que tenha de trabalhar até os 70 anos. Se você está com 20 e poucos anos, há uma chance grande de trabalhar até o final dos 70 anos e, provavelmente, passar dos 80 anos. Mas se as pessoas são capazes de bancar uma aposentadoria a partir dos 65 anos, uma vida de inatividade e sem trabalho pode ser prejudicial à sua vitalidade emocional e cognitiva. Ou seja: muitas pessoas podem não querer ficar paradas, pois isso fará mal à saúde delas.
Não significa que todos vamos viver mais e estender nossas carreiras por muitos anos. Segundo Lynda, o corpo humano pode não aguentar uma vida com tanto tempo concentrado em uma mesma tarefa. Será preciso buscar outro tipo de atividade. A mesma premissa vale para o campo da educação. É impossível, seguindo a análise da estudiosa, que uma educação concedida no começo da vida adulta seja suficiente para sustentar uma carreira por 60 anos ou mais. "Se você levar em consideração as mudanças tecnológicas previstas para os próximos anos, vai concluir que suas habilidades podem se tornar redundantes ou então obsoletas na indústria que atua. Isso significa que em algum momento de sua vida, todos terão que reinventar por completo suas habilidades".
Dessa forma, é provável que o tradicional padrão de vida dividido em três fases precisará se transformar em um esquema múltiplo, contendo duas, três ou até mais carreiras diferentes. Cada uma dessas fases poderia ter um foco distinto. A primeira, por exemplo, estaria centrada na construção do sucesso financeiro e na realização pessoal. A segunda viria para criar um equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Uma outra poderia explorar novas áreas ou o envolvimento com trabalhos de forma mais complexa. Você poderia, veja só, se tornar um profissional que busca contribuições sociais através de seus trabalhos. Esse modo de fases múltiplas levaria as pessoas a transitarem por diversos setores, novas cidades e até a desenvolver uma série ampla de habilidades. "As transições entre cada uma dessas fases poderiam ser marcadas por sabáticos para que as pessoas tivessem um ‘respiro’, cuidando da saúde, reinvestindo em suas relações e melhorando suas habilidades. Em alguns casos, essas paradas serão determinadas e decididas pelas pessoas. Em outros, porém, serão forçadas a realizá-las – se o trabalho tiver se tornado obsoleto", diz Lynda Gratton.
Encarar a carreira com essa perspectiva é fundamental em um mundo no qual as pessoas vivem mais e as mudanças são rápidas e profundas. É preciso adotar essa nova visão também para a vida. Uma habilidade essencial é lidar – e abraçar – as mudanças que virão pela frente. Uma vida de três fases tem algumas transições, uma vida de múltiplas fases tem muitas. É por isso que conhecer seus pontos fortes, investir em uma rede de contatos poderosa e estar aberto a novas ideias são habilidades importantes para os novos tempos, ressalta Lynda.
Uma vida de múltiplas fases também muda a associação que fazemos entre nossas conquistas e nossa idade. Em uma vida comum de três fases, as pessoas deixam a universidade e tendem a iniciar suas carreiras, construir suas famílias, avançar na carreira até chegar à média gerência em idades próximas – inclusive se aposentando com uma diferença mínima de idade. Em uma vida de múltiplas fases, as pessoas poderiam conquistar o diploma universitário aos 20, 40 ou 60 anos, se tornarem gestoras aos 30,50 ou 70 anos e se tornarem produtoras independentes em qualquer idade.
Quando a idade, portanto, não é mais o fator determinante, a vida de líderes, gestores e profissionais de recursos humanos muda substancialmente. Pessoas de diferentes gerações e idades irão trabalhar mais próximas, misturando-se em maior escala dentro do ambiente de trabalho. Em última análise, essas pessoas vão compartilhar mais atividades.
As estruturas atuais de vida, os planos de carreira estabelecidos, as normais sociais – tudo isso não bastará para regular uma sociedade em que se viverá por (muito) mais tempo. O conselho de Lynda Gratton é esquecer o padrão de em três fases, com trabalho contínuo e regular, a aposentadoria que se segue aos anos produtivos. Pensar em longevidade não é imaginar que viveremos por mais anos. Como Lynda Gratton defende em sua tese: trata-se de viver mais tempo, sendo jovem por um período maior e envelhecendo bem mais tarde. Os ‘40 são os novos 30’ e os ‘70 são os novos 60’, lembra?
Fonte: Revista Época Negócios