Profissão: atuário
Por Pedro Gomes, jornalista da Mirador Atuarial
O futuro não é mais o que era. A máxima do poeta simbolista francês Paul Valéry é elucidativa e pode ser interpretada assim: dada a imprevisibilidade de muitos acontecimentos futuros e as mudanças efetivas que ocorrem temporalmente, as projeções futuras estão, como os astros no universo, em constante movimento. Como prevê-lo?
Na história, a necessidade de se proteger contra incertezas futuras sempre instigou o pensamento da nossa espécie. Para avaliar e tomar decisões sobre a ocorrência ou não de um acontecimento aleatório, foi preciso estruturar e sistematizar uma série de dados que possibilitasse mensurar a probabilidade da materialização desse evento. A esta variável aleatória, cuja gênese é inerente à natureza humana, damos o nome de risco. O processo de mitigação dessa variável chamamos de gestão do risco.
A probabilidade, inclusive por motivos teológicos (como a Aposta de Pascal), foi usada para tentar resolver questões em torno da existência de Deus e, na ciência, em áreas como a astronomia, para entender problemas sobre o movimento dos astros. Conhecer é prever.
A fundação das bases para o pleno desenvolvimento da Ciência Atuarial comporta inúmeras etapas na história do conhecimento humano e na prática diária de relações comerciais, além de acompanhar os desdobramentos de várias outras disciplinas e ciências.
Mensurar e administrar riscos
Chamamos de atuário o profissional que aplica um instrumental probabilístico sobre uma base de dados previamente coletada e, a partir dela, analisa os fatos econômicos que a envolvem estimando seu comportamento futuro. Diante da incerteza do futuro, o atuário tem a complexa tarefa de predizer a realização ou não de determinado evento, sob determinadas condições e em determinado tempo.
O inglês John Graunt foi o primeiro cientista a utilizar um método estatístico aplicado para este fim. Em 1662, seu livro Natural and Political Observations made upon the Bills of Mortality representou um esforço para agregar uma quantidade considerável de dados sobre a mortalidade de um grupo específico e, a partir dessa amostra, apontar conclusões rigorosas. Em outras palavras, o trabalho de Graunt ambicionava interpretar o mundo: oferecer uma estimativa sobre as probabilidades de morte e a expectativa média de sobrevida da população com base nos dados coletados (foi um precursor da demografia). Graunt faleceu antes de conseguir concluir seu trabalho, mas o seu posterior desenvolvimento pelos estatísticos modernos ficou conhecido como inferência estatística e sua análise foi fundamental para sedimentar o caminho para outro cientista inglês.
Em 1693, Edmund Halley publicou a primeira tábua de mortalidade conhecida. A Tábua de Breslaw (na época uma cidade silesiana, hoje parte da Polônia) consistia em dados com idade e sexo de todas as mortes e nascimentos ao longo de vários anos. Ela demonstrava com precisão a expectativa (probabilidade) de morte e sobrevida da população analisada.
Tábuas de mortalidade como a de Halley são utilizadas para a contratação de um seguro ou plano de saúde e para projetar a alocação de recursos necessários para garantir o pagamento de benefícios previdenciários, por exemplo.
Hoje, reunindo vários campos de conhecimento interdisciplinares voltados para os aspectos sociais das diversas realidades humanas, a Ciência Atuarial atingiu um elevado grau de maturidade e relevância no ambiente das Ciências Sociais Aplicadas. Em síntese, a Ciência Atuarial busca entender quais são as necessidades e riscos que assolam a sociedade, buscando, permanentemente, soluções e mecanismos de proteção social bem dimensionados que proporcionem proteção e dignidade às pessoas.
Atuária: uma ciência multidisciplinar
É claro que a história narrada acima é apenas um resumo. Para contar a evolução da Ciência Atuarial no contexto do avanço do conhecimento humano nas matemáticas, poderíamos regredir até a Babilônia, centenas de anos antes da Era Cristã, passando pelo Império Romano, para traçar as origens do seguro. Mas da publicação da primeira tábua de mortalidade de Halley até hoje, a profissão se desenvolveu e se consolidou como um conjunto sistemático de conhecimentos agregados. Devido a esse desenvolvimento, os atuários modernos possuem hoje um instrumental teórico vasto.
O atuário e Diretor Executivo da Mirador Atuarial Giancarlo Germany defende que existem algumas disciplinas que hoje são essenciais e cita a Matemática Financeira e a Estatística. Na avaliação de Giancarlo, “a maior parte dos modelos de projeção considera essas duas ciências na sua estruturação. Adicionalmente, entender de linguagens de programação permite o desenvolvimento de sistemas de projeção de forma mais ágil e acurada”, salienta o atuário.
Por definição, a Ciência Atuarial precisa acumular conhecimentos provenientes de várias áreas do saber para chegar aos resultados rigorosos que se esperam dela. Para Sérgio Rangel, professor do curso de Ciências Atuariais da UFRGS e consultor sênior da Mirador Atuarial, o atuário moderno necessita conhecer e interagir com outras áreas do conhecimento dentro de uma visão interdisciplinar.
Ao contrário do que pode pensar o senso comum, a atuária não lida apenas com números. Rangel explica: “O propósito dos atuários está em ajudar as pessoas a terem uma vida um pouco mais orientada para o amanhã, com mecanismos de proteção social apropriados e bem dimensionados que proporcionem dignidade. Ela é uma ciência social, com foco nas pessoas e que necessita da visão comportamental como estratégia do negócio”. Por isso, segundo ele, é que a profissão exige um leque amplo de conhecimentos, “dentre os quais a TI (utilização e manejo com bases de dados), psicologia, economia, administração financeira, direito, medicina (inclusive a genética) e a contabilidade”, aponta o professor.
As habilidades técnicas de um profissional da área compreendem a realização de atividades como precificação, cálculo de reservas, modelagem de capital, gerenciamento de riscos corporativos, entre outras. O atuário e Gerente de Informações Estratégicas e Atuariais na Unimed Fortaleza, José Nazareno Maciel Júnior, é categórico ao incluir, entre as habilidades e os conhecimentos necessários ao profissional da área, o “raciocínio lógico, contabilidade, banco de dados (incluindo o SQL), linguagens de programação (R e VBA, por exemplo), legislação, matemática atuarial, Pacote Office, entre outros”.
O conhecimento multidisciplinar, essencial para o ofício do atuário, o habilita a trabalhar em vários segmentos. Fabrízio Krapf, atuário e Diretor de Serviços Atuariais da Mirador, chama atenção para os mercados “clássicos” de atuação no Brasil: seguros, previdência e saúde. Além deles, no entanto, “a formação em Ciências Atuariais instrumentaliza o profissional para atuação em diversas outras áreas, normalmente relacionadas a finanças e risco, tais como gestão de riscos corporativos e de investimentos”, avalia Fabrízio. Ele entende que a complexidade do trabalho e as aceleradas mudanças tecnológicas exigem também uma nova postura em relação ao conhecimento e à aprendizagem, muito mais dinâmica, mesmo para profissões altamente especializadas.
Mercado
Na medida em que a economia se desenvolve, o mercado se expande. Administrar riscos é uma necessidade para qualquer empresa e, em uma economia em crescimento, essa necessidade se torna uma exigência. A sensibilidade do trabalho atuarial é um dos fatos que tornam a profissão tão importante junto ao mercado. Apesar de desconhecido por grande parte da população, o trabalho realizado por um atuário está presente em várias esferas da economia de um país. A gestão, análise e mensuração de riscos envolve lidar com muitos dados, num intrincado processo de estudo.
A regulamentação da profissão aconteceu 1969, via decreto de lei. Desde então, para assinar notas técnicas atuariais, relatórios, perícias e todos os trabalhos realizados é obrigatório o registro expedido junto ao IBA – Instituto Brasileiro de Atuária. Para obter o registro, além do diploma de graduação (existem 17 cursos no Brasil hoje), é necessário passar por um exame de suficiência. O IBA possui, atualmente, 3165 profissionais registrados (ativos e inativos) e recebeu, em 2017, 243 pedidos de registros (em 2016 foram 225 inscritos).
Embora uma empresa de assessoria e consultoria atuarial forneça serviços e produtos voltados para vários segmentos, é incomum, no entanto, que o atuário transite em mais de um segmento dada a complexidade e as particularidades da legislação de cada um deles. Assim, aponta Giancarlo Germany, “conhecer quais os limites normativos para estabelecer os custos e as coberturas dos produtos (de planos de saúde, seguros e previdência) também demandam muito estudo e um conhecimento agregado amplo”. Além disso, Giancarlo chama atenção para o fato de que muitos atuários têm atuado no segmento financeiro e de gestão de risco, segmentos estes que têm crescido bastante para os profissionais da área atuarial.
Caroline Casarotto, Coordenadora de Precificação da Icatu Seguros em Porto Alegre, traz a realidade de quem trabalha na área de produtos. A atuária entende que é importante conhecer sobre gestão de projetos e marketing, além de possuir algum domínio de linguagens de programação, inclusive por serem conhecimentos muito valorizados dentro das companhias seguradoras. Até porque, salienta Caroline, internamente “precisamos estar aptos para discutirmos a viabilidade de novos produtos/negócios com inúmeras áreas na companhia. Dessa forma, o atuário consegue colaborar em diversos assuntos dentro da empresa por entender do negócio como um todo”, acrescenta.
Nazareno Júnior salienta que ainda há muito trabalho a se fazer em previdência, seguros, saúde suplementar e capitalização, mas deixa um questionamento: “Por sermos profissionais preparados para mensurar e administrar riscos, qual a razão de não ampliarmos mais esse campo de atuação? Todos os ramos de atividade possuem seus respectivos níveis de risco que podem ser analisados de forma interna (core business) e externa (mercado)”.
Seja qual for a área de atuação, o certo é que a atuária é uma profissão desafiadora, intelectualmente instigante e cujo papel social é de crucial importância para a sociedade. Com efeito, na medida em que a economia cresce e o conhecimento humano adquire novas técnicas de análise de riscos, a Ciência Atuarial reforça sua relevância como disciplina imprescindível para acompanhar e projetar esse desenvolvimento. Diante disso, não é difícil encontrar um atuário que adoraria encarar estes desafios.