GIG ECONOMY
A economia digital e os sistemas previdenciários de seguridade social não estão conectados entre si.
Estamos dentro da onda de uberização do mercado de trabalho. Para os que têm uma visão crítica, é a precarização do emprego, esfarelando-se as garantias trabalhistas e fragilizando a rede de proteção econômica justamente das categorias menos privilegiadas.
Para outros, se não é exercício de liberdade do empreendedorismo digital, dando eficiência a mercados e reduzindo preços, trata-se de um movimento inevitável que ao menos traz um pouco de fôlego para economias estagnadas.
Estamos dentro da onda – ela nos carrega. A Justiça do Trabalho brasileira ainda não vive um processo de reconhecimento em massa de relação de emprego entre motoristas e entregadores e as respectivas plataformas de transporte e alimentação.
Há notícias pontuais nesse sentido, vindas da Europa. Mas como já ouvi de um magistrado, há efetivo trabalho subordinado, ainda que a subordinação seja disfarçada pelo uso de ferramentas tecnológicas.
Estamos dentro da onda – ela nos carrega mesmo se fizermos força contrária. Um novo modelo de contrato de trabalho que “ligue e desligue” ainda não está devidamente criado na legislação brasileira. Uma alteração da CLT de 2017 criou a figura do contrato de trabalho intermitente, com garantia de salário mínimo por valor-horário, mas não se adequa à gig economy, uma vez que pressupõe a convocação pelo empregador para a prestação de serviços com, pelo menos, três dias corridos de antecedência – esta não é a lógica operacional deste novo mercado de trabalho.
Estamos dentro da onda – ela carrega os menores peixes. Estudo do Banco Mundial, The Long Shadow of Informality: Challenges and Policies (https://www.worldbank.org/en/research/publication/informal-economy), revela que o mercado informal chega a responder por 70% do emprego total em economias em desenvolvimento, não atendidos pelos sistemas de proteção social.
Estamos dentro da onda – as ondas desgastam a costa. Esses 3 dias de antecedência do contrato intermitente são inexequíveis. E nem sempre é o empregador que convoca, o motorista/entregador trabalham “quando querem”.
Como não temos um modelo contratual aderente à dinâmica da relação de trabalho, jogamos toda a operação na informalidade, sob o ponto de vista ortodoxo do direito do trabalho, ou a ignoramos no âmbito da seguridade social e previdência.
Na prestação de serviço autônoma, as contribuições previdenciárias e os benefícios previdenciários de auxílio-doença e acidente de trabalho perdem cogência, aderência e efetividade. Sem falar no tempo de serviço para fins de aposentadoria.
Estamos dentro da onda – a baía de águas calmas levou tempo para ser desenhada pela força da rebentação. Não temos o tempo da geomorfologia. Precisamos criar urgentemente uma lógica contributiva que seja compatível e se encaixe natural e automaticamente aos fluxos remuneratórios da gig economy.
Ricardo Ehrensperger Ramos