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Maio/2013 - Inscrição Automática dos Colaboradores em Planos de Previdência – O que não aconteceu!

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Por Giancarlo Giacomini Germany,

Atuário, Diretor Executivo da Mirador

29/07/2021

Revisando alguns documentos antigos, me deparei com esse Artigo, escrito pelo meu amigo Bernardo Fonseca Nunes (https://www.linkedin.com/in/data-scientist-speaker/) em 2013 (há 8 anos), sobre Inscrição Automática em planos de previdência.

Hoje, em 2021, estamos acompanhando a possibilidade de, com o projeto de mudança na Lei Complementar 109/2001 divulgado pelo IMK, finalmente podermos implementar no nosso sistema previdenciário brasileiro essa opção.

Segue o texto, na íntegra, para revisarmos um assunto extremamente relevante para o futuro das pessoas e, inclusive, para uma maior independência financeira em relação aos benefícios que serão cobertos pela previdência oficial, estimulando a educação financeira e fortalecendo o mercado de capitais do Brasil. Boa leitura:

Inscrição Automática dos Colaboradores em Planos de Previdência

A inscrição automática de colaboradores em planos de aposentadoria fornecidos pela empresa tem se mostrado o método mais efetivo no incremento da taxa de participação em planos de contribuição definida (Madrian, 2012). O desenho de tais esquemas é crucial para o alcance do objetivo maior, elevar a taxa de poupança, dado que os mecanismos facilitadores utilizados podem levar o participante a escolher taxas de contribuição ou composição estratégica da carteira de investimentos imperfeitas para o seu caso.

Uma interpretação mais convencional da vida financeira de um indivíduo enxerga o problema de poupar para a aposentadoria como algo que depende da obtenção de informação apropriada, educação financeira e incentivos governamentais na forma de benefícios tributários. Entretanto, na prática, mesmo a mais simples decisão num plano de previdência fechada, as tabelas regressiva ou progressiva do imposto de renda, envolvem, por exemplo, estimativas de quando um participante espera ter filhos realizando um curso superior durante seu ciclo de vida. No melhor dos casos, o participante: (i) está apto a coletar informação e performar avaliações de acordo com o crescimento esperado de sua renda; e (ii) entende como os juros compostos funcionam e seu efeito sobre o valor do dinheiro no tempo (Lusardi, 2009). Em suma, complexidade em termos de tempo e esforço, adicionalmente à baixa educação financeira, inibem a grande maioria dos indivíduos de ingressar em um plano de aposentadoria.

Motivados pela percepção de que a população usualmente não poupa adequadamente para a aposentadoria, e consequentemente, gera um risco à sustentabilidade dos sistemas de segurança social, alguns governos deram início à promoção de políticas públicas visando encorajar a poupança individual. Um exemplo deste tipo de mecanismo foi a criação dos planos de aposentadoria de contribuição definida 401(k) nos Estados Unidos em 1978, introduzidos no meio empresarial durante os anos 1980. O incentivo à poupança vem do fato das contribuições terem a taxação postergada: são deduzidas da folha de pagamento antes do imposto e somente taxadas quando sacadas da conta 401(k), sendo o juro composto resultante da taxação postergada um benefício relevante quando o plano é mantido por um período longo. O governo americano posterga o recolhimento de mais de US$ 100 bilhões a cada ano, visando gerar este tipo de incentivo aos seus cidadãos (Joint Committee on Taxation, 2013, p. 39). Recentemente, os autores Chetty, Friedman, Leth-Petersen, Nielsen e Olsen (2012), ao acessar os dados fiscais dos cidadãos dinamarqueses, avaliaram o impacto de subsídios fiscais sobre a taxa de poupança de indivíduos. O estudo apresenta resultados desanimadores no contexto daquele país, mostrando que o subsídio fiscal incentivou apenas uma pequena parcela da população a poupar mais. Dois tipos de indivíduos foram identificados: (i) 15% são poupadores ativos que planejam sua vida financeira e usualmente respondem a incentivos, como subsídios fiscais; e (ii) 85% são indivíduos passivos que não prestam atenção a mudanças fiscais que lhes venham a gerar benefícios na aposentadoria. Neste sentido, o benefício fiscal criado apenas induziu a parcela de poupadores sofisticados a transferir seus recursos de outros investimentos para o plano de aposentadoria com o benefício fiscal, não os elevando assim a elevar sua taxa de poupança nem a reduzir o consumo corrente.

O surgimento de políticas de inscrição automática dos colaboradores foi promovido por companhias norte-americanas ao final dos anos 1990 como estratégias preventivas para lidar com as regras de não discriminação estabelecidas pelo órgão regulador (IRS US), o qual condicionou o status de benefício fiscal apenas para aqueles planos que não possuíssem taxas de participação viesadas em relação aos empregados com maiores salários, por exemplo. Inicialmente, as companhias tentaram elevar a taxa de participação fornecendo generosas taxas de contribuição correspondentes ao empregador. Outras medidas menos onerosas foram tentadas, como por exemplo, programas de educação financeira, mas estes também obtiveram resultados modestos. Além disso, as companhias temeram que tais seminários e palestras pudessem ser interpretados como aconselhamento financeiro em planos com retorno garantido, tornando a empresa num alvo de potenciais reclamações judiciais no caso de futuros resultados adversos (Poterba, 2009). Assim, a prática de inscrever os colaboradores automaticamente e dar-lhes a opção de optar por sair do plano, apesar de ser muito mais barata, ingênua e simples, mostrou-se efetiva e foi altamente recomendada pelos consultores (Vanguard, 2001) aos seus clientes com exposição ao risco de discriminação entre colaboradores em seus planos de pensão fornecidos pelo empregador. Ao mesmo tempo, a investigação científica sobre o tema tomou corpo e abriu uma nova direção de pesquisa em relação ao comportamento de poupança individual. Num dos principais trabalhos sobre o tema, Madrian and Shea (2001) analisaram o impacto da inscrição automática em planos 401(k) americanos e demonstraram que tal prática elevou a taxa de participação de 50% para 86% entre os colaboradores com ao menos um ano de empresa. Adicionalmente, o novo método praticamente eliminou a maioria das diferenças de adesão dado o nível salarial, gênero, idade e grupo étnico.

Ver Figura 1

Fonte: Madrian and Shea (2001)

As lições geradas pela reforma americana ao final dos anos 1990 gerou uma base sólida de evidências sobre o uso destes defaults em planos de pensão 401(k) e foi amparada em estudos adicionais (Choi, Laibson, Madrian e Metrick, 2004, 2006; Choi, Laibson e Madrian,  2004a, 2004b; Thaler e Benartzi, 2004; Beshears, Choi, Laibson e Madrian, 2008). A opção default pode ser não somente a inscrição automática no plano, como também a taxa de contribuição e a alocação estratégica da carteira de investimentos. O estudo de Choi, Laibson, Madrian e Metrick (2006) mostrou que diferentes defaults em relação a taxa de contribuição geram diferentes âncoras nas escolhas dos participantes.

Ver Figura 2

Fonte: Choi, Laibson, Madrian and Metrick (2006)

Apesar de haver um consenso entre empresas, colaboradores e governos de que elevar a participação em planos de aposentadoria é algo benéfico, somado a eficácia demonstrada nos resultados obtidos empiricamente pela pesquisa academia, as razões pelas quais os colaboradores passivamente tendem a aceitar os defaults podem não ser plenamente interpretadas sem olharmos o lado humano das escolhas dos colaboradores. Naturalmente tendemos a evitar ou postergar decisões complexas e que demandem informação que não dispomos em dado momento. Equipada com um entendimento psicológico sobre racionalidade limitada humana e nossa capacidade de autocontrole, a economia comportamental sugere que tal comportamento está ligado à nossa preferência pela inércia e manutenção do status quo (Samuelson and Zackhauser, 1988). Tal comportamento de procrastinação, que usualmente fere o comportamento de poupança de um indivíduo, pois o inibe de optar pelo ingresso num plano de aposentadoria, pode ser usado a seu favor, quando o mesmo é inscrito automaticamente e espera-se que ele procrastine ao decidir por optar por sair do plano. Portanto, sem eliminar a liberdade de escolha do colaborador, mas fazendo uso do poder sugestivo do default, a inscrição automática pode ser classificada como uma política de paternalismo light ou nudge (Sunstein e Thaler, 2003; Thaler and Sunstein, 2008), dado que a mesma dá o chamado empurrãozinho necessário ao colaborador para ele escolher como gostaria, sem obrigá-lo ou fazer tudo por ele.

Políticas públicas de caráter nacional empregando defaults começaram a ser praticadas nos últimos anos na Nova Zelândia (2007) e no Reino Unido (2012). A Irlanda pretende implementar um programa similar a partir de 2014. A atratividade deste tipo de programa por parte dos governos é evidente pelo fato do poder público conseguir alcançar seu objetivo, preparar melhor sua população para a aposentadoria, usando o caminho com menor resistência, sem arriscar sua popularidade ao tentar impor comportamentos ou supervisão extensiva, e com um custo relativamente inexpressivo (Lunn, 2012).

Um dos pontos fracos do uso dos defaults reside exatamente em seu poder de sugestão. Dado que tais esquemas usualmente possuem opções default para a taxa de contribuição e para a alocação estratégica, resultados indesejados podem ocorrer: (i) decréscimo da taxa de poupança entre aqueles que escolheriam poupar uma taxa ainda maior que a opção default na ausência do programa; (ii) fixação de uma alocação estratégica inapropriada para o nível de risco e necessidade de rendimento requeridos pelo perfil do poupador. Avaliações iniciais da política neozelandesa (Colmar Burton, 2010; e Law, Meehan and Scobie, 2011) mostram que o programa levou a população não só a prestar mais atenção em assuntos relacionados à aposentadoria, mas também a efetivamente a poupar mais do que na ausência do mesmo. A maioria dos indivíduos pesquisados reportou que seria improvável estarem poupando sem a ocorrência do programa, 36% responderam que suas contribuições ao plano estavam substituindo gastos que de outra forma fariam em despesas diárias. No caso do Reino Unido, em 2012 iniciou-se um programa nacional de inscrição automática no qual o grupo-alvo é composto pelos empregados  do setor privado não cobertos por um plano de pensão em seu ambiente de trabalho, aproximadamente dois terços dos 23,9 milhões neste setor. Todos os trabalhadores no Reino Unido com idade acima de 22 anos e abaixo da idade de aposentadoria que ainda não são participantes de um plano e recebem mais do que certo nível salarial, serão automaticamente inscritos num plano de aposentadoria oferecido pelo seu empregador e terão a opção de saircaso o queiram. O sistema está sendo implementado gradualmente ao longo de seis anos (2012-2018), sendo a contribuição final correspondente ao empregador igual a 3%, o colaborador contribuirá com 4% e o governo contribuirá com 1% através de um benefício fiscal. O trabalhador tem a opção de alterar o perfil de risco de seu plano, mas há uma opção default que investe com baixo risco inicialmente, busca um maior retorno elevando o risco durante sua média-carreira, e volta a uma composição mais segura quando o empregado se aproxima da aposentadoria.

Prover os colaboradores apenas com educação financeira pode não gerar as condições necessárias para uma mudança permanente de comportamento quando a decisão de ingressar num plano de aposentadoria é complexa, portanto pode ser mais efetivo tornar o processo mais fácil usando defaults na taxa de contribuição e na alocação estratégica. Choi, Laibson e Madrian (2006) analisaram o impacto de um programa que deu aos colaboradores a opção de ingressar num plano organizado pelo empregador com estas características, ou seja, com defaults na taxa de contribuição e na alocação estratégica, mas sem inscrição automática. Neste sistema de inscrição simplificada, as taxas de adesão subiram de 5% para 19% no primeiro mês do lançamento do plano, principalmente no grupo étnico dos afro-americanos e trabalhadores de menor renda, os quais mostravam uma menor propensão a poupar dada seu pior nível de educação financeira. Thaler e Benartzi (2004) propuseram os planos chamados Save More Tomorrow – ou Poupe Mais Amanhã – como solução ao problema de poupança insufiente. Eles argumentam que a inscrição automática é eficaz ao colocar mais colaboradores a poupar, entretanto alguns deles podem permanecer anos poupando menos do que deveriam, e por isso propõem os seguintes componentes no desenho do plano:

      i.         Colaboradores são inicialmente convidados a se comprometer a incrementar sua taxa de contribuição no futuro;

     ii.         Incrementos na taxa de contribuição são planejados para ocorrer concomitantemente com aumentos de salário visando ser o aumento na taxa de poupança uma parcela do incremento salarial, fazendo com que o empregado não perceba tal aumento como uma perda salarial.

   iii.         Dada a inscrição no plano, o colaborador permanece no mesmo até atingir um objetivo de aposentadoria ou solicitar sua saída, usando assim o comportamento de inércia para manter os participantes no plano.

Benartzi e Thaler (2013) mostraram recentemente em publicação na revista científica Science, que não somente a taxa de empregadores norte-americanos que oferecem hoje tais tipos de plano atingiu 56% do total em 2011, mas também o percentual destes com escalonamento automáticos da taxa de contribuição é de 51%.

O ensinamento que podemos tirar desta discussão para uma potencial aplicação ao caso brasileiro é que a inscrição automática é um remédio eficaz quando há inabilidade de planejar e a baixa educação financeira da população inibe uma poupança. Combinar defaults com programas educacionais, maiores taxas de contribuição correspondente ao empregador e simplificações do processo decisório podem prevenir o colaborador de poupar a taxas sub-ótimas para seu perfil.

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